Chris Claremont é considerado por muitos como o pai dos X-Men. O roteirista escreveu as páginas de Uncanny X-Men durante 16 anos, definindo os mutantes que conhecemos hoje.
Na sua passagem pela Comic Con Portugal, nós tivemos a fantástica oportunidade de conhecer e conversar com o lendário Chris Claremont!
X-Men: campeões contra a descriminação
É impossível falar de X-Men sem levar em conta a sua mensagem de luta contra a descriminação e a celebração do único e diferente. Chris Claremont foi o roteirista que desenvolveu essa mesma mensagem de esperança dentro da equipe de mutantes. Como o próprio explicou, as suas contribuições ao time original foram uma forma de promover a diversidade para levar o time a novos desafios:
“Se você olhar para a equipe original dos X-Men, eles eram 4 garotos brancos e uma menina branca. Nem sequer eram homens ou mulheres adultos, mas meninos e meninas. Liderados por um homem branco. Eles eram muito homogêneos, um padrão singular. Já os novos X-Men – Ororo é negra, Noturno parece um demônio, Colossus é da Rússia soviética, Pássaro Trovejante é nativo americano – todos eles estão fora do mainstream. Mesmo mais tarde quando Kitty [Pryde] entra no time, ela é uma garota judia.”
E com a conjugação de todos esses diferentes personagens, os X-Men renasciam:
“O conceito de ser fora do mainstream e tentar se encaixar… Primeiro, é uma questão de tentar que eles se encaixem entre si. Como é que os 5 vão se juntar em uma equipe, talvez até evoluir para uma família? Especialmente quando um dos membros é Wolverine que não é alguém que faz isso com facilidade. E basicamente isso se tornou a metáfora para a ideia maior de tentar encaixar diferentes filosofias sociais, culturais e políticas de grupos no planeta em uma comunidade confortável.”
O passado de teoria política de Claremont influenciou os X-Men
Claremont estudou Teoria Política na Bard College, nos Estados Unidos, e a sua paixão pela área é algo evidente no seu trabalho. Quando questionado sobre o impacto que isso teve na sua carreira, o roteirista enumerou vários choques no sistema social e político dos seus anos de formação: assassinato do presidente John Kennedy, de Martin Luther King e mesmo o massacre na Universidade de Kent State, entre outros.
Com todos esses acontecimentos, Claremont colocou as questões que se tornariam essenciais para os mutantes:
“Como seguir a partir daí? Que direções tomamos? Nós nos tornamos mais isolados, mais zangados, mais separados? Ou tentamos evoluir a partir desses sacrifícios, esses momentos de tragédia, para algo melhor?”
A resposta? A união dos mutantes e o seu esforço para transformar o mundo em um lugar melhor:
“Tentar e exemplificar através da forma como a equipe se reúne e a forma como lidam com o mundo exterior, que nem sempre os trata de forma justa. Nós estávamos tentando, um pequeno passo de cada vez, evoluir para algo melhor.”
Personagens preferidos: é possível escolher só um?
Entre aqueles desenvolvidos e criados por si ou aqueles que já existiam anteriormente, Claremont não tem dúvidas:
“Acho que, com qualquer criador, vão ser sempre aqueles que ele ou ela colocaram a mão na sua criação. Eu provavelmente preferiria Gambit, Mística, Kitty, Vampira, Fênix, Rachel [Summers], Ororo ou Kurt. Mesmo que não tenha sido o único que criou ativamente eles, em cada uma das instâncias desses personagens, era eu quem ajudava a moldar uma parte substancial da sua personalidade.”
Claremont cita como exemplos a identificação de Wolverine com a cultura estruturada do Japão, o passado de Tempestade, o lado de espadachim de Noturno e o fato dele ser “o ser humano mais decente do time”.
O roteirista confessa que, por mais que a gente tente, ele sempre vai encontrar uma forma de fugir à escolha de só um personagem. Quando dizemos a ele que isso é natural por todos serem seus filhos, Claremont admite que isso pode ter um lado frustrante:
“Infelizmente sim. Não porque seja uma infelicidade mas porque tenho que ver eles a serem levados para as mãos de outros. O que é sempre frustrante.”
O criador dá ainda o exemplo de Stan Lee e do seu Quarteto Fantástico:
“Tenho a certeza que Stan tem momentos em que sente – não importa o quão bons eu acho que os meus números de Quarteto Fantástico possam ter sido – eu sei que Stan provavelmente sabe que fez melhor. E eu concordo com ele.”
Como ele vê os quadrinhos e filmes de super-heróis atuais?
Hoje em dia, Claremont confessa que raramente lê quadrinhos por não se sentir entusiasmado com o estilo criativo usado atualmente. Em relação aos filmes, o roteirista diz que assiste como um qualquer outro fã apaixonado pelas histórias. Ainda assim, confessa que achou muito legal um pequeno detalhe de Homem de Ferro 2:
“Quando Scarlett Johansson aparece como Viúva Negra, mas usa uma identidade secreta – Natalie Rushman – que eu criei, eu pensei “legal!”. Mesmo quando eles não estão pensando, eu escorrego lá para dentro – mesmo na continuidade de Homem de Ferro.”
Wolverine, o eterno favorito dos fãs
Logan é um dos personagens que Claremont vai referindo a longo da entrevista, mostrando a sua afinidade com o anti-herói. Questionado sobre a razão pela qual Wolverine é tão amado pelo público, Claremont foi claro:
“Ele é um bad boy. Todo mundo adora um bad boy. Exceto que, no caso de Wolverine, ele é um bad boy com o coração de um herói. Meu paradigma para ele é o seguinte: se você entrar no quarto de Wolverine na Mansão X, será como se alguém colocasse uma parede invisível no centro do quarto. De um lado da parede está uma catástrofe total, é uma espelunca. O outro lado é de tirar o fôlego em sua graça essencial. É japonês, é intocado, é o epítome do estilo e substância minimalista.”
O criador refere como a sua personalidade está dividida em dois lados opostos: caos total e ordem absoluta. Claremont fala de como ele nunca consegue encontrar um equilíbrio entre os dois lados da sua personalidade complexa mas, apesar do passado complicado do personagem, ainda há esperança.
Chris Claremont confessou que sabe como a história acaba mas isso é na sua cabeça, não na Marvel. Questionado sobre se gostaria de compartilhar, o autor disse que manteria em segredo, dizendo apenas “É um final feliz. Ele e a ruiva.”
A ascensão de Jean Grey a Fênix
A transformação de Jean Grey em Fênix foi uma verdadeira revolução no mundo dos quadrinhos. A saga da super-heroína elevada a uma força destrutiva da natureza mudou todas as regras.
O que teria Chris Claremont visto em Jean para a transformar em Fênix?
“Não tinha sido feito antes. Eu gosto de pensar que o poder da mente é infinito, por que não fazê-lo assim? E ver o que acontece? E então nós fizemos. Por que ela deveria ser o elo fraco da equipe? Na minha cabeça, Jean e Fênix sempre foram uma só. Ela é a Fênix, a Fênix é ela.”
Uma força da natureza como nenhuma outra carrega consigo uma tragédia concebida pelo próprio Claremont:
“O sofrimento, claro, é que Jean nunca teve a oportunidade de crescer dentro dela [Fênix], o poder veio muito cedo, e ela não teve tempo para desenvolver. Enquanto ela estava crescendo dentro dela, a tragédia aconteceu e ela teve que dar um passo atrás. Ela teve de pagar por isso. Mas isso é, idealmente, aquilo que a tragédia é.
O mundo precisa dos X-Men?
2016 foi um ano excepcionalmente tumultuoso e intenso, com vários acontecimentos mundiais abalando a sociedade. Claremont classificou este tempos como “interessantes”, mostrando que a esperança é algo que não o abandonou.
Questionado sobre se o mundo precisa dos X-Men mais do que nunca, o pai dos mutantes responde:
“Eu acho que sim. Os X-Men, como a Marvel agora os vê, são substancialmente diferentes dos X-Men como eu os via. Então, eu espero que eles precisem dos X-Men, eu tenho esperança que os X-Men sejam fiéis aos personagens e às orientações da história que eu estabeleci. Mas este é um tempo diferente, estes são criadores diferentes, são visões diferentes dos personagens e conceitos e eles têm que ser julgados pelos seus próprios méritos.”
Chris Claremont olhou de seguida para o futuro e para as suas novas histórias longe dos mutantes:
“Vou criar histórias e personagens que são meus, e espero que sejam tão bem-recebidos e empaticamente poderosas nessa direção como os X-Men. Mas acho que todo o escritor passa por isso. Todos os escritores querem criar o seu equivalente do Harry Potter ou Game of Thrones ou dos X-Men. Não sou mais do que qualquer outra pessoa. Eu só quero encontrar uma maneira – tendo feito isso uma vez – quero fazê-lo novamente. Então, veremos.”