Crítica A Forma da Água: uma fábula para tempos de intolerância

A Forma da Água é o filme que lidera as indicações ao Oscar 2018, contando no total com 13 impressionantes nomeações. O mais recente filme do diretor Guillermo del Toro apresenta um romance que irá certamente ganhar seu lugar no coração de muitos – mas será que merece todas as suas indicações ao Oscar?

Confira nossa opinião sem spoilers.

Uma bela história de amor (que podia ser muito mais)

A Forma da Água

A Forma da Água é, inegavelmente, uma encantadora história de amor. Seguindo a vida da faxineira silenciosa Elisa (Sally Hawkins) e o seu encontro inesperado com uma criatura aquática (Doug Jones), somos levados a entrar nesta versão para adultos de A Bela e a Fera.

Como conto de fadas moderno, A Forma da Água cai em vários momentos de previsibilidade e de uma dicotomia entre bons e maus que mancham o potencial do filme. A missão de Guillermo del Toro em criar um belo hino aos desajustados é plenamente cumprida, mas infelizmente isso não chega para tornar este num filme memorável.

O bem e as trevas numa visão demasiado simplificada

A Forma da Água

A Forma da Água pede ao público que veja o monstro anfíbio como muito mais do que aquilo que os vilões do filme estão convencidos que ele seja. Especialmente através das interações com Elisa é possível conhecer e compreender as várias facetas da criatura, ambos trazendo luz para a vida um do outro.

Mas ao mesmo tempo que o filme nos convida a entrar na complexidade do monstro, ele nos afasta do entendimento das ações dos vilões, simplificando demais estes. Isso é especialmente crítico com o personagem Richard Strickland (Michael Shannon) que parece nada mais ser que um sádico ambicioso, com uma brevíssima exploração das suas motivações e sem dimensão emocional que o torne mais que um simples vilão.

Mas esta simplificação do bem e do mal não é apenas uma falha com os personagens, está também presente na apresentação do contexto da época. Os anos 60 do século XX são o ambiente em que toda a trama se desenvolve, uma época marcada pela Guerra Fria e pelos movimentos cívicos contra a segregação racial nos Estados Unidos. Este contexto político surge por vários momentos durante o filme, começando inicialmente por detalhes significativos, mas rapidamente evoluindo para uma mensagem demasiado óbvia e sem espaço para mais do que uma visão maniqueísta. Infelizmente, quanto mais o filme investe em reduzir os personagens e o seu contexto em mocinhos e vilões, menos força ganha a mensagem.

Mas assistindo ao filme como a fábula que ele é – um conto de fadas adulto mas que continua sendo um conto de fadas – é fácil entender a visão apresentada. Se a esse fato acrescentarmos a importância da mensagem vir de um diretor mexicano para um mundo onde a intolerância impera, não é difícil compreender este excesso de del Toro.

Beleza e significado em cada detalhe

A Forma da Água

Se há algo irrepreensível em A Forma da Água é o cuidado e atenção em cada detalhe, por menor que seja. Dos figurinos a todo o design de produção (e sem esquecer a nostálgica e sonhadora trilha sonora), o filme é absolutamente perfeito. Os anos 60 são revisitados com uma abordagem estética que homenageia a época mas vai além, numa versão idealizada mas no ponto certo, acertando com um visual criado para deixar a fantasia entrar.

Ao longo de todo o filme temos várias pistas e detalhes que mostram a dedicação em contar a história com recurso até ao mais ínfimo elemento. O tema da água está presente em todo momento, rodeando e envolvendo todos os personagens na sua forma, do mesmo modo que a paleta de cores está sempre mergulhada nos verdes e azuis.

O monstro que rouba a cena

A Forma da Água

A interpretação de Doug Jones como a criatura anfíbia é o grande destaque de A Forma da Água. O ator revela uma representação sutil aliada a um realismo surpreendente para um personagem bizarro. A expressividade corporal de Jones encontra harmonia perfeita na interpretação de Sally Hawkins como Elisa. A atriz é sensacional na força que transmite como Elisa, mostrando que dentro da sua aparente fragilidade e silêncio forçado, existe uma pessoa com uma vibrante paleta de emoções.

Destaque ainda para Richard Jenkins como Giles, com uma interpretação equilibrada entre o humor e o drama sem cair em clichês. Octavia Spencer não tem muito para explorar com Zelda, sua personagem, mas a atriz não desilude, fazendo o melhor em todas as cenas. Infelizmente, Michael Shannon sofre com as limitações que falamos acima sobre o seu cruel Richard Strickland.

Encantador mas não impressionante

A Forma da Água

A Forma da Água é um filme que merece ser visto e recomendamos deixar o cinismo à porta da sala de cinema antes de entrar. É fácil ficar encantado com o romance fora do comum e abraçar esta declaração de amor aos incompreendidos e perdidos deste nosso mundo. Mas só não espere que este seja um filme verdadeiramente memorável ou um novo marco na obra de Guillermo del Toro.

Atualizado em
Joana Maltez
Joana Maltez
Mestre em Design e Nerd apaixonada por boas histórias de ficção, perdendo horas jogando um game ou assistindo séries e filmes.